O clássico do cinema “Doutor Jivago” é o tema da coluna “Filmes que o Tempo Levou” escrita por Nelson Machado Filho, criador do projeto “Luz & Sombras”, em Amparo, que está com suas sessões temporariamente suspensas por conta da pandemia provocada pelo novo coronavírus. Mas as sessões das noites de segunda-feira no auditório da Rádio Cultura FM retornam em breve.
“DOUTOR JIVAGO”
Por Nelson Machado Filho
Especial para o Rota das Águas
Eu vi “Doutor Jivago” pela primeira vez quando tinha 13 anos. Foi em 5 de abril de 1969, um Sábado de Aleluia, no Cine Variedades. Me lembro que o filme ficou em cartaz por seis dias. O Cine Variedades tinha capacidade para 1.200 espectadores e naquele dia todos os assentos estavam tomados.
A obra foi lançada em São Paulo em fevereiro de 1966; mas só chegou até nós, em Amparo, depois de três anos. Na época do lançamento na Capital, os alunos do colegial do então Instituto de Educação “Dr. Coriolano Burgos” faziam excursões para São Paulo só ver o filme. O destino era o Cine Metro, na Avenida São João.
Certamente, naquela época, eu não era capaz de entender todos os aspectos e as nuances da história, principalmente fatos da Revolução Russa. Mas fiquei impressionado com a produção: o escopo e o espetáculo, a cinematografia absolutamente gloriosa, os personagens ricos do romance. Foi inesquecível para mim e, juntamente com alguns outros filmes daquele período, promoveu um amor ao longo da vida pelo cinema.
Sinopse e comentários
Baseado no romance de Boris Pasternak, Dr. Jivago é um médico e poeta que inicialmente apoia a Revolução Russa, mas, aos poucos, se desilude com o socialismo e se divide entre dois amores: a esposa Tania e a bela plebeia Lara. O filme foi baseado na obra literária de Boris Pasternak, considerado seu trabalho mais importante.
Ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1958. A Academia Sueca lhe concedeu a honra “pelas suas importantes realizações no domínio da poesia lírica contemporânea e no da tradição épica russa“. Porém, o que tornou Pasternak conhecido no Ocidente foi o estrondoso sucesso de “Doutor Jivago” no cinema.
O livro foi publicado na Itália, em 1957, e sua circulação foi proibida na antiga União Soviética. Só foi publicado na Rússia em 1988, depois da reabilitação de Pasternak pela União dos Escritores quando Mikhail Gorbachev permitiu a venda como parte de sua política “glasnost“. Desde então, não saiu mais da lista de best-sellers por lá. Já o filme só foi exibido em 1994.
A versão cinematográfica do romance tornou Pasternak ainda mais conhecido. Com direção de David Lean, o filme, lançado em 1966 e estrelado por Omar Sharif e Julie Christie, ganhou cinco estatuetas do Oscar (melhor fotografia, trilha sonora, direção de arte, figurino e roteiro adaptado).
O produtor Carlo Ponti queria gravar este filme na União Soviética, mas o governo recusou seus pedidos. O diretor Sir David Lean visitou a antiga Iugoslávia e os países escandinavos em busca de locais. Ambas as áreas eram muito frias e a burocracia na Iugoslávia era muito proibitiva. No final, a maior parte do filme foi filmada na Espanha.
Inicialmente, a obra não teve muito impacto nas bilheterias, provavelmente devido à recepção morna dos críticos. As primeiras três semanas, o retorno foi considerado um desastre, apesar do gasto em publicidade, que chegou à casa de US$ 1 milhão.
Gradualmente, o público começou a aumentar, provavelmente devido à popularidade do “Tema de Lara”, de Maurice Jarre. A trilha sonora vendeu mais de 600 mil cópias logo no lançamento do filme.
Me lembro que no desfile cívico militar de 7 de setembro de 1967, sob o comando do Sargento Gieze, o Tiro de Guerra 02-005, em Amparo, desfilou e em alguns momentos na passagem da tropa pela Rua Treze de Maio, sob o toque da marcação de passos da fanfarra, o corneteiro tocou o “Tema de Lara”
Apesar das críticas contrárias este filme arrecadou mais do que todos os outros filmes que David Lean dirigiu juntos. A partir de 2010, ajustado pela inflação, este é o oitavo maior filme de bilheteria de todos os tempos.
O grande astro Omar Sharif é brilhantemente empático no papel do Dr. Yuri Jivago, transmitindo magistralmente as emoções de seu personagem. Quem pode esquecer seus olhos intensamente expressivos e cheios de lágrimas em alguns dos momentos mais emocionais, especialmente com flocos de neve derretendo sobre eles?
Médico, mas também poeta, Yuri aprecia profundamente a beleza ao seu redor. Sua gentileza e idealismo contrastam fortemente com a violência horrível da guerra e da revolução, enquanto Yuri testemunha atrocidades como o desmembramento da sociedade russa e o canibalismo.
Além disso, este é um homem que continua sendo um indivíduo, apesar das filosofias bolcheviques de coletivismo. Meu colega Mário Lúcio do Amaral batizou um de seus filhos como Yuri em homenagem ao filme.
Julie Christie interpreta a linda e enigmática Lara, uma mulher cuja posição na vida a torna vulnerável ao uso indevido pelos homens, mas ela possui uma genuína capacidade de recursos e força interior. Geraldine Chaplin vive a personagem Tonya, esposa de Yuri Jivago.
Aristocrática e elegante Tonya é bem-educada e estudou na Inglaterra. Filha burguesa da família Gromeko provoca mais sentimentos platônicos do que paixão do marido. Yuri se apaixona por Lara e deixa então a inocente Tonya, já grávida do segundo filho.
Trata-se de uma esposa calorosa, amorosa e mãe dedicada, que não merecia a infidelidade do marido. Por sua excelente performance, Geraldine foi indicada ao Oscar como melhor atriz coadjuvante.
Enquanto os meus colegas admiravam a beleza magistral de Julie Christie, eu me apaixonei por Geraldine Chaplin, a filha do grande Charlie Chaplin e de Oona O´Neill. Para mim ela era uma mulher linda porque no seu olhar transparecia a força do seu caráter e a generosidade do seu coração. Passei a admirar sua beleza interna.
Podemos ressaltar algumas injustiças no Oscar de 1966. “Doutor Jivago” merecia ganhar como melhor filme do ano de 1965. Mas “Noviça Rebelde” foi aclamado como o melhor. Porém, os dois filmes são ótimos. Mereciam um empate.
Omar Sharif merecia ser indicado ao Oscar como melhor ator por “Doutor Jivago”, mas não foi. Tom Courtenay, que viveu magistralmente o papel do jovem revolucionário Pascha, merecia receber o Oscar como melhor ator coadjuvante pela interpretação em “Doutor Jivago”, mas quem levou foi Martin Balsan pelo filme “Mil Palhaços”.
“Doutor Jivago” é uma obra que todos os cinéfilos gostam de ver e rever. Foi uma das últimas grandes produções do cinema verdadeiramente épicas. Foi filmado em ambientes naturais, sem imagens geradas por computadores, e apresentando um elenco fabuloso de atores, com centenas de figurantes e técnicos.
Teve uma excelente produção fotográfica, figurinos muito bem elaborados e ainda contando com a maravilhosa trilha sonora de Maurice Jarre. Em especial “Tema de Lara”, que até hoje está gravada na nossa memória e no nosso coração.
Ficha Técnica
Filme – “Doutor Jivago”
Produção – Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)
Ano – 1965
Direção – David Lean
Elenco – Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guinness, Tom Courtenay, Ralph Richardson, Rita Tushingham e Klaus Kinsk
Roteiro – Robert Bolt (baseado no romance de Boris Pasternak)
Produção – Carlo Ponti
Trilha sonora – Maurice Jarre
Fotografia – Frederick A. Young
Figurino – Phyllis Dalton